Texto: Reverendo
Alguém fez um comentário a respeito de conjugação de verbos no livro 4 de Escuridão. Inicialmente pensei em fazer um agradecimento simples, mas depois achei que, partindo desse começo, poderia ser feito um “artigo” falando sobre tradução. Não pretendo fazer um tratado sobre o assunto, mas tentar dizer como eu faço.
O que é tradução? É pegar um texto em uma determinada língua e vertê-la para outra. Precisa conhecer a língua original do texto? Não. Existem ferramentas de tradução online que são bastante eficientes, conseguindo traduzir palavras, frases, e até expressões idiomáticas. Mas então qual é a dificuldade?
A maior dificuldade, sem dúvida, está na língua portuguesa. E muitos nem são erros de tradução. Eles existem, é claro. Um dos mais cometidos é traduzir expressões em inglês ao pé da letra. Por exemplo, “casualty of war” vira “casualidade de guerra”. No Brasil a expressão é “baixa”. Tem outra que eu já vi até na televisão que é “troops”, e que é traduzido como “tropas”, mas se refere quase sempre a “soldado” (“32 troops”, ou seja, “32 homens”). No começo do ensino da língua inglesa já se fala nos falsos cognatos, então um pouco de cuidado é sempre desejável.
Vamos agora às agressões ao nosso velho português... já vi muito a confusão entre “conserto” e “concerto” (a nave foi concertada recentemente). Isso é como arranhar a marcha do carro. Outra coisa: “mau” e “mal”, adjetivo e substantivo. Não existe “mal pressentimento”. O que existe, nesse caso, é um “mau conhecimento” da língua portuguesa. Existem outros casos que envolvem avaliações desse tipo, e muitos outros com erros de concordância, de grafia e de conjugação de verbos.
Falando em expressões idiomáticas, chegamos inevitavelmente às gírias. Na referida edição de Escuridão (e de muitas outras) eu prefiro usar a linguagem mais culta possível, já que certas expressões soariam estranhas em alguns casos. Por exemplo, em Águias de Roma, imagine Arminius chegando para Falcus e dizendo: “e aí, cara! tudo em cima?”. Ficaria muito estranho. Então estou dizendo que eles não usavam gírias? Claro que usavam! Mas eu não faço ideia de quais seriam! O que eu evito é usar gírias de hoje em histórias ambientadas em outro contexto histórico. Outra expressão que eu acho que seja bem brasileira é o “você”, que surgiu da contração de “vossa mercê”, que passou a “vosmecê” e chegou ao termo atual. Em histórias como Águias de Roma ou Vae Victis não caberiam o uso dessa palavra, que se refere à segunda pessoa do singular, mas se conjuga como terceira pessoa do singular. Um caso atípico em nossa língua.
Para concluir, traduzir não é apenas pegar palavras de uma língua e escrevê-las em outra. Muitas vezes acontece de uma frase sair completamente estranha, e isso porque o tradutor online usa uma das traduções possíveis para determinada palavra e, se usarmos outra possibilidade, a frase ganha o sentido pretendido. Outra coisa é tentar (e nem sempre é possível) fazer com que o texto tenha um sentido compatível com a história. Às vezes se vê um balão que não tem nenhuma relação com o anterior nem com o seguinte. Fica muito estranho. E também, ao final da história, ela deve ser entendida do começo ao fim, com uma continuidade uniforme, e com todas as informações necessárias ao seu entendimento. Mas como nem sempre a versão sai de primeira, então boa parte do trabalho é tentar captar a ideia que o autor pretendia transmitir e colocá-la em português.
Traduzir dá trabalho? Bastante. Mas também é um grande prazer. Quando a galera pergunta “quando sai?”, eu já vi tudo que os outros não viram, e estou fazendo outra que, muitas vezes, ninguém sequer imagina que vai ser feita. Mas sempre procurando manter uma certa qualidade. Afinal, fazer por prazer não significa que pode ser feito de qualquer jeito. E muito menos mal feito.
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